domingo, 20 de fevereiro de 2011

Governador Valadares, 19 de Fevereiro de 2011.


Caio, querido.

Creio que acharás estranho, ao recebimento desta carta. Logo eu, que nunca lhe escrevi, mas sempre ‘usei e abusei’ de seus textos, suas palavras, SEUS sentimentos. Justamente, ou obviamente Por conta disto, lhe escrevo. Desesperadamente. Há algum tempo venho me perdendo, Caio. Está tudo decaindo. Não sei realmente por que, mas o fato é que está, Caio. Também não sei há quanto tempo me dei conta da minha situação. Podem ser anos, dias ou apenas alguns segundos. Eu venho me perdendo, Caio. Há muitos anos e há poucos segundos ao mesmo tempo. Pensando bem, eu nunca verdadeiramente me achei, porém existia um meio termo. Existiam asas que me permitiam voar para longe e para perto. Longe dos problemas e perto de uma tranqüilidade quase divina. Eu diria que era meu paraíso privado. Um monstro de voz doce que cantava para mim e somente para mim. Eu escrevia as notas. Eu escrevia a melodia. Eu somente escrevia e era suficiente, Caio. Era...
Irônico como tudo foi arrancado de mim tão violentamente. Era a minha vida, era o meu destino, tudo literalmente na ponta dos meus dedos, tudo ao meu controle. E quando os problemas gritavam, as asas empurravam o ar com mais força. Empurrando-me também. Para longe dos restos de mim, para longe das novas peças que queriam mais que nada me invadir. Asas ásperas e grandes que me tiravam da dor. Elas me deixavam surta, alegre... Deixavam-me pura, Caio. Agora, diga-me, Caio. Isso é justo? Vamos, vamos lá, é justo, Caio? Não, não é. Então, eu lhe faço um pedido, Caio. Recupere-as para mim, pois não tenho mais forças para isso, forças em mim, não existem mais. Eu sinceramente anseio com todas as minhas forças que você recupere as minhas asas.
Se você as recuperar — e eu sinceramente espero que as recupere! —, peço que cuide delas. Conserve-as, alimente-as, devolva-as a vitalidade tão bonita. Você não sabe, como para mim é viver sem elas, mas, preste atenção: eu não vou querer provar de novo. É desesperador e assustador, Caio. Como uma garotinha sem a mãe, um círculo sem fim, algo incompleto. E, por mais que não pareça, é intensamente doloroso! Sentir-se assim arranca sua essência, dilacera sua vontade e apaga as memórias: você se torna vazia... Pequena. E sabe o que é pior, Caio? A culpa é toda minha, minha, Caio. Somente minha. Você, irá ajudar-me não irá, Caio? Sim, eu sei que vai. Sei bem, o quanto sabe no fundo, bem lá fundo, o que estou a passar agora. Você já viveu isso, não é mesmo, Caio? Algo também foi arrancando de ti violentamente, não foi, Caio. Vamos responda-me, eu sei que foi. Não tenhas vergonha de mim, meu querido. Só quero, o seu bem.... Assim como anseio pelo meu.
 
- Feche os olhos. O que veres?
- Vejo um grande espaço. Preto... Branco. Não está dentro da minha capacidade definir. O ar torna-se mais rarefeito e, simultaneamente, mais palpável.

Ah, Caio. Já fazes tanto tempo. Tempo de mais. Eu só queria dormir uma noite inteira dessa semana desastrosa. Tomei uma garrafa de um vinho barato. A dor de cabeça me mataria se eu estivesse ligando para ela. Mas agora, que já faz tanto tempo que não sinto nada, não consigo pensar em outra coisa. E olhe, eu tento, tento, tento e tento. Que culpa tenho eu, pela minha inutilidade? Ah, Caio, ah. Enquanto espero a vida devolver-me o que injustamente tirou de mim, continuarei retorcendo-me no escuro. As chances de subir ao pódio são poucas, sim, mas... O que vai sempre volta. Ou assim espero.
Esperando que eu ainda voe, e esperando mais ansiosamente, tua resposta.

Um enorme beijo, ‘A vadia, que perdeu as asas’.


Uma mistura, de realidade, com ficção, algo muito confuso.

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